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Rodrigo


A porta rangeu ao abrir. Lá dentro uma nuvem de fumo envolvia o lugar. Rodrigo sentou-se ao bar e pediu um whisky. Era-lhe difícil manter relações. Se por um lado todos os dias conhecia pessoas novas, por outro nunca parava no mesmo sítio por muito tempo.


Bebeu o seu whisky com tranquilidade enquanto observava o que se passava à sua volta. Eram ossos do ofício. Rodrigo conseguia encontrar o balanço estético nos sítios mais imundos. Observava as pessoas, as suas expressões, a forma como a luz por entre o fumo iluminava os seus rostos. Fazia retratos mentais de perfeitos desconhecidos que desconstruía na sua cabeça.


Imerso no seu mundo, Rodrigo voltou à realidade com um grito do outro lado do bar. “Cabrão!” Reconheceu de imediato a voz. David, uma das poucas relações que sobreviveu aos anos.

Agora nos seus 40, Rodrigo e David conheceram-se ainda jovens, dois miúdos na redação de um jornal local. Nunca perderam o contacto, e sempre que Rodrigo estava na cidade ligava a David para umas partidas de bilhar. Falavam de nadas, lembravam o passado e o bacalhau com natas da Dona Laurinda do café por baixo da redação. Trocavam histórias e no final da noite abraçavam-se e diziam um “até já” sabendo que iriam passar-se meses até o “já” acontecer.


Nessa noite, David estava especialmente falador. Falou da filha mais velha que ia casar com um “miúdo mimado” e da mais nova que ia trabalhar para Londres. Falou do carro que tinha comprado e passado um mês estava a dar problemas e da mulher que insiste em mudar a mobília de casa todos os anos. E Rodrigo ouvia. Enquanto encaracolava o seu bigode, Rodrigo ouvia. Rodrigo viu o que poderia ter sido a sua vida. A casa, os filhos, os problemas mundanos.


Rodrigo adorava David. Era talvez a pessoa que o conhecia melhor. Mas estar com o amigo era mais do que matar saudades, era matar aquela dúvida que “se calhar devia ter vivido a minha vida de forma diferente”. Aquele encarar de realidade era a sua certeza que nada devia ter sido diferente na sua vida. As horas passaram, e os dois amigos disseram “até já”. No caminho para o hotel, Rodrigo pensou em quão diferentes eram as vidas dos dois miúdos que começaram juntos, e em quão perfeitas eram as histórias de cada um. Nada havia para mudar.

Rita Salvado


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Rodrigo

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