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Miss Tenra e Suculenta @ Rita Salvado

Ali estava ela, deitada na cozinha. Toda a sua vida tinha treinado para ser bife, mas será que era mesmo aquilo que queira? Carla Vazia tinha nascido no Alentejo, dos seus irmãos era a mais bela. Quase sem gordura e sua altura... Minha Nossa Cornélia! A sua altura fazia todos os nacos suspirar quando passava. Era a mais bonita, a mais popular, e desde nova lhe diziam que estava destinada a algo grande. Ao ganhar o concurso de Miss Tenra e Suculenta ofereceram-lhe um estágio em Lisboa, mais importante ainda, um estágio na Portugália. Um sonho para um pequeno pedaço de carne do interior. Agora estava ali, deitada na cozinha a pensar.

“Será que quero ser bife? É o sonho de todos. Mas não conheço mais nada? Nunca saí do Alentejo? O que há para além? O que poderia eu ser?”


O estágio ia começar no dia seguinte mas naquela tarde Carla Vazia decidiu que iria partir. Encontrar a sua casa além-fronteiras. Tentou negociar com a dona da pensão onde estava em Alcântara para receber o valor do restante mês. Ia sair amanhã, estava decidida. Só recebeu metade, mas àquele dinheiro juntou o valor do prémio Miss Tenra e Suculenta e os tostões que a família lhe tinha dado aquando da vinda para Lisboa. Arrumou as suas malas deixando apenas de fora a muda de roupa para o dia seguinte e sonhou com todos os sítios que iria conhecer.


14 horas depois estava a aterrar em Xangai. Nunca tinha visto tantos grãos de arroz na vida, as carnes eram todas tão pequeninas. A sua altura tão cobiçada em Portugal era vista de lado. Ali era uma gigante. Um grupo de pequenas peças de porco tentou convencê-la que a vida em pequeno era muito mais fácil e que se devia dividir e ficar ali. Não, Carla Vazia não se queria dividir. A China não era para ela.


Mais uma viagem, ia tentar o Japão desta vez, tinham-lhe dito que havia mais como ela lá. “O Japão sim, é lá que vou encontrar a minha casa.” Não foi. Ao contrário do destinos anterior o Japão tinha muitos pedaços de carne mas também não eram como ela. Ela era musculada sem exagero, gostava de treinar e de se sentir em forma, ali não. Os japoneses tinham muita gordura, achavam-na muito magrinha. Eram snobs, falavam de si próprios na terceira pessoa e diziam pertencer a uma classe social própria, os wagyu. Só ouviam música clássica e quando Carla Vazia lhe mostrou as músicas do seu país, do Conan Boviníris eles riram. As massagens japonesas eram boas, mas não. Aquela também não era a sua casa.


“Última oportunidade! É desta!” Depois de uma viagem de quase 13 horas Carla Vazia acordou tocada mas cheia de vontade de explorar mais um país. O dinheiro estava a acabar. Era desta. Tinha de ser desta. Mal saiu do aeroporto em Deli percebeu que a olhavam de lado, os taxistas, maioritariamente couves-flor mal cheirosas recusaram-se a levá-la. Foi uma jovem beringela a única que lhe deu boleia. Ao passear nas ruas o cheiro a legumes decompostos inundavam o ar. Sementes e folhas caídas por todo o lado. “Que sujeira!” Um pequeno grão de arroz gritou “Pecado!” enquanto lhe apontava o dedo. Pouco depois, todos se juntaram a enxovalha-la na rua. Ali não havia Nossa Senhora Cornélia, ali os Deuses eram inúmeros, Deusa que Ri, deusa Ré-ré, Deusa Leiteira, e pelos vistos não aprovavam a sua existência. Não, a Índia não era para ela.


Lisboa. Tinha dado uma pequena volta ao mundo e ali estava ela, novamente em Lisboa, a primeira cidade que conheceu que não era a sua casa. Antes de pensar na sua casa do Alentejo, ou de tentar mais um quarto na pensão onde estava Carla Vazia foi directa à Portugália. “Posso entrar?” Pediu o seu estágio de volta e foi recebida com sorrisos. Toda a equipa foi uma simpatia. Começou no dia seguinte e logo como praxe de novata deitaram-na e cobriram-na do seu molho secreto. Ela ria. Estava ali, de novo deitada numa cozinha, mas agora sabia que queira ser Vazia à Portugália e pensava “Estou em casa.”


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Miss Tenra e Suculenta

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