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Manda mensagem quando chegares @ Rita Salvado

É da minha geração. Antes da era das mensagens de texto livres, quando se ligava para casa dos amigos e se dizia com uma voz a medo ao pai que atendia o telefone “A Joana está?”, ou quando os telemóveis chegaram a Portugal com tarifários exorbitantes e, se passavam noites aos toques numa espécie de jogo onde o primeiro a vacilar perdia não existia o “Manda mensagem quando chegares.”

É um hábito incutido pelos pais, foram eles que começaram a pedir as confirmações das viagens. Sabe-se lá o que pode acontecer numa viagem de autocarro, ou à boleia do amigo que acabou de tirar a carta. A resposta é nada. E mesmo que aconteça não é coisa que vamos dizer numa SMS, se for importante ligamos, tenham ou não pedido para mandar mensagem.

Mas na era pós-pais continuo a receber estas mensagens. Pior, eu também as envio. Acabei de enviar uma agora mesmo. Talvez queiramos afirmar a ideia que nos preocupamos com a pessoa. É claro que nos preocupamos, contudo vivemos pela afirmação do outro e queremos ter a certeza que ele sabe que somos boas pessoas e zelamos pelo seu bem-estar. Inconscientemente ou não. Talvez queiramos apenas a confirmação de que está tudo bem e assim nos descartamos de eventuais sentimentos de culpa. Aquela pessoa foi encontrar-se connosco, se algo lhe acontecer no trajecto para casa é em parte devido à nossa existência. Talvez queiramos continuar a falar com ela, e aquela mensagem é apenas um pretexto (este aplica-se muito no caso dos engates). Ou talvez seja só o hábito. Sim, omiti a real preocupação. Esta fazia sentido no tempo dos nossos pais. Não faz sentido agora.

Eu acabei de mandar mensagem a uma amiga. Depois de jantarmos juntas, cada uma seguiu o seu caminho, e eu escrevi-lhe “Manda mensagem quando chegares a casa.” Ela tem 25 anos, sustenta-se, vai sozinha para o trabalho diariamente, viaja, não vai perder-se numa viagem de Metro. Provavelmente vou estar a dormir quando ela chegar e só vou ver a mensagem amanhã de manhã. Ou então ela vai-se esquecer de me responder. Se tal acontecer vou ficar numa preocupação extrema? Vou ligar-lhe para confirmar que ela de facto chegou viva a casa? Não. Vou assumir que está tudo bem ou nem me vou lembrar que lhe mandei a mensagem em primeiro lugar. De qualquer das formas, M se estás a ler isto ainda hoje, avisa que chegaste bem a casa.

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